Entrevista e tradução: Luciane Ramos-Silva
Imagens: Dirk Skiba
As palavras e produções de Malika Ndlovu apareceram em páginas e palcos em toda a África do Sul e ao redor do mundo. Sua contribuição para as artes, cultura e poesia sul africana, especificamente, abrange mais de 25 anos. Tendo publicado coleções de poesia e duas peças de teatro, esta artista transdisciplinar propõe a cura pela criatividade engajando o bem comum e resiliência.
LUCIANE RAMOS SILVA: Crescendo e morando na África do Sul, mas também viajando pelo mundo e compartilhando sua poesia e perspectivas de vida, como você vê a história do seu país quando olha para trás?
MALIKA NDLOVU: Este é um relacionamento complexo, como qualquer relacionamento para toda a vida … é uma jornada de evolução e com cada ciclo de mudança vem crescimento, perda e aprendizado. Tenho muito orgulho de ser sul-africana, mas isso também está relacionado ao meu orgulho de ser africana. Tenho ascendência mista e, na África do Sul, com nossa história de apartheid, isso foi tratado como uma fonte de vergonha, exclusão, ridículo e ancestralidade questionável. Isso tornou-se dolorosamente difícil para muitos que, como eu , tiveram que se apropriar de uma herança diversa com a confiança que vem do autoconhecimento e da realização de pesquisas sobre as raízes de nossa família. Muitos ainda estão presos no não pertencimento, no sentimento de inferioridade e tristeza disfarçado de ameaça ou na raiva e violência. Isso também influenciou muitos a desejarem versões ocidentais e europeias (coloniais) de suas vidas e corpos . Mas esta não é uma “lavagem cerebral” única, é uma ressaca familiar de muitos povos historicamente escravizados, oprimidos e traumatizados. Minha jornada para reivindicar minha identidade plena passou por muitos ciclos de cura e compreensão pessoal e coletiva e é um processo contínuo – uma vez que nenhuma de nossas identidades é estática. Minha arte, seja através do teatro, da escrita e da poesia performada, sempre foi central para essa auto-exploração e homenagem ao passado e presente de onde nós sociedade sul africana viemos… trata-se também de uma forma de sonhar novas maneiras de ser e estarmos a serviço das novas gerações.
Eu também me enriqueci por viajar ao redor do mundo para compartilhar meu trabalho, vivenciar diferentes paisagens físicas e culturais, conhecer e construir conexões com uma grande diversidade de pessoas. Isso alimenta meu próprio senso de identidade no mundo, um sentimento interno de pertencer à família humana, a Terra, assim como estar longe de casa por tempo suficiente para sentir falta e apreciar o que há na África do Sul e que me torna quem eu sou , que aspectos de nossos povos e desta terra eu realmente amo.
LRS: Qual é o lugar da política, da cultura e da imaginação na sua escrita?
MN: Eu cresci sob o apartheid e, como uma mulher jovem, entrando na idade adulta no início dos anos 1990, meu senso de identidade e responsabilidade social foi profundamente influenciado pelas mudanças e transformações sociopolíticas e culturais da época. Eu fui despertando para a tragédia e o trauma transgeracional do sistema, que perdura até hoje em nossa era democrática, com todos os seus sucessos e terríveis fracassos e traição à nossa constituição.
“Minha jornada para reivindicar minha identidade plena passou por muitos ciclos de cura e compreensão pessoal e coletiva e é um processo contínuo – uma vez que nenhuma de nossas identidades é estática.”
Eu queria conscientemente oferecer mais do que a forma convencional de teatro de protesto / arte que nasceu sob o apartheid e moldou (e na minha opinião restringiu) a vida de muitos artistas. Sempre fui mais atraída para ir além de espelhar as injustiças e a realidade circundante. Eu sou uma poeta, inspirada em todos os gêneros da arte e uma sonhadora por natureza, então naturalmente meu trabalho sempre foi impregnado dessa sensibilidade.
Minha linguagem poética ou conceitual e meu profundo compromisso com a criatividade como prática de cura são evidentes em tudo que produzi.
Meu trabalho tem sido consistente e intencionalmente feito para encorajar a cura pessoal e a liberação como uma forma de causar impacto no coletivo. Começamos onde estamos e sendo verdadeiros com quem somos. Autêntico e nativo, vulnerável e corajoso. O trabalho colaborativo e multimídia ou interdisciplinar ao longo das artes e da cultura tem me permitido ficar livre do confinamento de muitas maneiras. Minha imaginação tem sido nutrida pelo engajamento da minha arte como uma forma de ativismo social, uma ferramenta para a educação, cultura e preservação do patrimônio e para a reconciliação uns com os outros e com nosso passado doloroso.
LRS: Você poderia nos recomendar nomes de escritoras/ poetas negras e indígenas sul africanas de diferentes gerações?
MN: Aqui algumas *BIPOC escritoras e poetas das mais antigas às novas gerações:
Gcina Mhlope, Makhosazana Xaba, Gertrude Fester, Diana Ferrus, Sindiwe Magona, Gladys Thomas, Mavis Smallberg, Deela Khan
Tracey Khadija Heeger, Gabeba Baderoon, Philippa Yaa DeVilliers, Lebo Mashile, Natalia Molebatsi; Tereska Muishond, Shelley Barry, Napo Masheane
Mandi Vundla, Toni Stuart, Koleka Putuma, Jolyn Phillips, Vangile Gantsho, Busisiwe Mahlangu, Lebohang ‘Nova’ Masango;
Nota da entrevistadora: *BIPOC é uma abreviação oriunda da língua inglesa ( um dos idiomas falados na Africa do Sul) que significa “Black, Indigenous and People of Color” – Negros, Indígenas e Pessoas de cor. Tais categorias podem ter amplos significados a depender do território em que se anuncia)
Constelações de sangue – Malika Ndlovu
Dentro das minhas células,
Essas paredes de
Pele
Tecido, líquido e
Osso
Uma narrativa
Ancestral
Intratável
Se repetindo
Histórias
Fragmentadas
Memórias
Pixeladas
Superfície e fundura
Ou ascender como
Uma febre inegável
Me
Perturbando
Construído como um
Castelo de criança
Para evitar
Invasões
Vilões,
Monstros, fantasmas
A Nenhum deles eu
Daria
Conscientemente
Permissão para
Ocupar meus
Espaços íntimos
Adentrar minhas
Correntes de tráfego
Mental
Reinos da
Imaginação , meus
Sonhos
Quem sou
De onde venho
É uma Galáxia infinita
Mesmo assim, como um vaso-
de carne
Concebido e nascido
Este aterramento
Exige
Que eu ouça , dê
Atenção
Responda as perguntas
Inextricáveis de
Formas herdadas
Habilidade, doença,
Ferida
De que outra forma eu
Poderia
Navegar
Efetivamente
Aterrar meus passos
Em gratidão
Respeito por como eu
Vim a ser
Aqui
Respirando
Emergindo e
Me
Evoluindo
Há um acorde
Que não pode ser cortado
Há uma melodia
Que se recusa a morrer
Uma estória que se replica
Mesmo que derrame
Camadas
Reconfigurando minhas
Ilusões
De mim
Estou aqui não apenas
Para enraizar mas para
Florescer
Frutificar , reparar e
Relembrar
Este trabalho sagrado
é pessoal
é privado e
Universal
Pode estar contido
Na
Combinação de
Letras
Formando meus
Nomes dados e
Escolhidos
Enquadrado dentro da
Tão esperada conversa
Entre os
Mais velhos e
Os jovens
Meu conhecimento interior
E múltiplas
estórias
Entre aqueles que
Agora vivem em espírito
E aqueles ainda
Presentes em
Corpo
Quem sou
De onde venho
É uma galáxia infinita
Na desaceleração do
Meu respirar
O esvaziamento da
Mente
Quietude no meu
Amago
Ha uma
Chamada consistente
Além do meus
Impulsos, meus
Sentidos
Na confluência de
Todo meu sangue
Por baixo de todos meus
Pertencimentos
Há uma
Canção
Inconfundível
Tudo que eu sempre
Fui
Tudo que estou me tornando
Ou se tornará
E livre de negação ou
Esquecimento
Vergonha ou culpa
Tristeza ou desejo
Uma canção sem palavras
De reconhecimento
De ancoragem
Transcendência
E
Conexão
Na ascensão e queda
Do silêncio
Este poema fez parte de um projeto multimídia chamado “Cantando as canções da minha mãe”, da poetiza Britânia Rebecca Tantony.
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