A designação Kuba, significa “povo do trovão” e nomeia o grupo social que habita as terras férteis localizadas entre os rios Kasai e Sankuru, na atual República Democrática do Congo, compondo um complexo multiétnico que agrega mais de 18 subgrupos, entre eles os shoowa, os bushoong e o ngeende.
Os tecidos Kuba são produzidos a partir da fibra da Ráfia, uma espécie de palmeira, em etapas que envolvem a participação de diversos membros de uma mesma família. O processo envolve a extração e preparação das fibras para tecer e bordar, a união das mesmas através de uma tecelagem básica, o tingimento delas e o desenvolvimento da peça através de bordados, apliques, patchworks e tingimentos.
As peças finais, que variam em complexidade e estilo, entre bordados e labirintos, agregam refinadas padronagens geométricas que chamaram atenção dos colonizadores belgas já no início de sua empreitada exploradora. Não por acaso esses tecidos tornaram-se objetos de prestígio e de alto valor no mercado de arte tradicional – triste ironia quando lembramos que as populações responsáveis pela criação desses legados têxteis foram e são pouco valorizadas nas suas criatividades e tecnologias.
Os tecelões se utilizam de teares verticais que permitem a fabricação de peças largas, mas de pequeno comprimento. Os tecidos longos são obtidos mediante a costura de diversas peças.
Para amaciar as fibras da ráfia, ásperas e rígidas no estado natural, os tecelões, após terminarem o tecido, deixam-no de molho e, depois de o terem envolvido em outros tecidos para protegê-lo, colocam-no no fundo de um pilão de madeira e o socam; finalizado o processo, o tecido torna-se fino e macio.
Por vezes outros fios são agregados ao tecido formando o que ficou conhecido como “veludo de ráfia”, obtido através da manipulação da urdidura quando o tecido ainda está no tear através da inserção de um fio muito fino de ráfia que é posteriormente cortado com uma pequena faca.
Encontramos três cores principais nos tecidos Kuba: o preto, o amarelo e o vermelho. As tinturas, vegetais, são obtidas a partir dos óxidos oriundos de folhas ( para o preto), de raízes para o amarelo e de serragem para o vermelho.
As peças , que variam em complexidade e estilo são direcionadas para o uso tradicional ( saias para mulheres, para homens e sobressaias para mulheres) assim como para o mercado turístico. Os desenhos possuem nomes que , muitas vezes remetem aos elementos da vida cotidiana: mongo (joelho), namba (nó), tartaruga, entre outros.
Vejamos um trecho do artigo “O bordado das mulheres Bakuba” do pesquisador Renato Araújo:
“Enquanto o trabalho da tecelagem se reserva aos homens, o bordado, do tecido cabe Às mulheres. A mulher é a líder do trabalho do bordado: é ela quem decide quais serão os padrões gerais utilizados e as cores, além de coordenar a produção.
Antigamente, o mérito de ser bordadeira era uma tradição reservada às mulheres grávidas , que se utilizavam de modelos para formar os padrões geométricos. Hoje, com a tradição mais difundida, abre-se espaço para muitas bordadeiras que podem ou não se utilizar de modelos para criar seus padrões bordados
Embora a solução formal desses padrões seja abstrata, alguns pesquisadores apontam para a inspiração natural dessas formas geométricas. Assim, seriam apreciadas as formas naturais como as escamas em zigue zague de um mamífero chamado pangolim, formas do casco de tartaruga ou desenhos chamados “bambi” (antílope) entre outros. Na realidade, há mais de 200 tipos de padrões tradicionais ( produzidos a partir de arranjos de triângulos, hexágonos, quadrados, em xadrez e outras composições) que são transmitidos de geração em geração. Em alguns casos, além das insígnias próprias, certas formas geométricas que aparecem em tecidos e em outras formas de arte Bakuba são exclusivas de determinadas posições sociais. Pode-se também perceber uma relação íntima entre os padrões desenvolvidos nos tecidos e os apresentados nas esculturas e na arquitetura. Historicamente, as concepções artísticas geralmente reproduziam em parte as formas e os motivos das escarificações ( que são cicatrizes na pele que servem como indicadores de identidades e hierarquia de seu portador). Por outro lado, é difícil definir de onde parte a influência principal, pois seu emprego é generalizado.
Os tecidos mais elaborados erma produzidos ao longo de muitos dias e até meses. Dado seu alto custo eles eram restritos ao círculo da família real e à casta nobre, guerreira ou sacerdotal. Não era incomum a utilização deste tecido como forma de dote de casamento, escambo ou como forma de pagamento de alguma despesa ou pendência.
A beleza, a simetria, o grau de sofisticação e a diversidade de padrões e estilos decorativos nos tecidos bakuba são igualmente abundantes.”
Trecho selecionado do artigo “O bordado das mulheres Bakuba”, Renato Araújo.
Disponível em http://pt.scribd.com/doc/65557297/O-Bordado-das-Mulheres-Bakuba – acesso – novembro 2012)
Para ver:
Para ler:
Au Royaume du signe appliqués sur toile des Kuba, Zaïre
Foundation Dapper